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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Pedro Brant

A carta

 Isso que escrevo hoje não é uma nota de suicídio, não é uma desistência da luta.


Todos aqueles que me conhecem já sabem, eu amarrei uma corda em mim, não chego ao fundo desse poço, mas posso ficar balançando no poço pela corda por muito tempo.


Esta carta, extremamente desmotivacional. É uma carta de mim pra eu mesmo, do meu eu atualmente deprimido, para o meu eu futuro são.


‘Devo estar ficando louco, escrevendo uma carta pra mim mesmo. Imagina se minha esposa vê isso. Devia parar por aqui.’ – Mas ao mesmo tempo que pensava isso, as palavras da carta fervilhavam na sua cabeça. – ‘Mas se já comecei...’


– Droga! – Falou em voz alta, se rendendo as palavras em sua mente. -


Já deve fazer quase duas décadas que vamos dormir pensando como seria morrer, como ficaria o mundo, nossas coisas, nossos segredos, amores, família. Não importou o tratamento, ou o quão bom estivesse tudo, é sempre um pensamento que volta quando nos deitamos.


Ninguém jamais desconfiaria, quando estamos deitados depois de uma noite feliz, que este é o pensamento da minha mente.


Mas acho que você nota que o problema não é questionar quando se está quase dormindo se vale estar vivo, ou o porquê de estar vivo. Isso é um problema quando é ao longo do dia. Várias vezes...


Quase um transe. Quase como se fosse uma entidade sussurrando ao seu ouvido.


‘Uma entidade. Não pude evitar de refletir um pouco sobre essa escolha. Pareceu um pouco filme de terror quando uma assombração escolhe um alvo. Estaria eu infectado com um mal espiritual?’ – Fitou o vazio, olhou novamente para o papel e se deixou mergulhar nas palavras. -


Viver dá trabalho, dói, cansa, passamos a maior parte do dia nos matando pra aproveitar o que? Duas horas livres por dia? Essa conta não fecha né.


Daí você vai argumentar sobre o final de semana, que tem todo o tempo pra você. Não seja iludido, mesmo em sã consciência, sabemos que o final de semana não dá tempo de resolver os problemas e descansar. Porque sempre ficamos resolvendo problemas adultos como, limpar a casa, dar banho nas crianças, fazer comida. A ilusão do repouso nos move.


Ah, como queria soluções mágicas para todos os problemas. Espero que você aí no futuro as tenha encontrado, espero que a vida esteja mais gentil, que as coisas tenham achado seu lugar, e que aquela felicidade perdida já tenha aparecido.


Gostaria de dizer, que eu listei os problemas numa folha e deixei para você. Mas sempre que me vejo considerando não viver mais, passei a listar os motivos pelos quais eu vivo. Deixei essa lista pra você também. Espero que ambas ajudem.


‘Por um momento parece que estou falando com outra pessoa. Como se não fosse mais eu mesmo, como se o eu atual não fosse mais o eu de sempre.’ – Esse pensamento inundou sua mente. – ‘Estaria eu agora tão diferente que seria uma outra pessoa? Se sim, onde está o outro eu?’


Olhou o papel com suas palavras, pensou sobre o seu eu que leria essas palavras no futuro. Refletiu sobre o quanto viver era exaustivo pra si. Mas tinha certeza que não era pro seu outro eu. Estava certo de que seu outro eu amava a vida.


‘Doido.’ – Pensou, e antes que entregasse sua mente a procrastinação, decidiu por terminar a carta.


Uma coisa. Estou aqui, diariamente, lutando contra tudo isso. Sobrevivendo a todos esses fantasmas, assombrações. Se lutei dias suficiente para que você possa ver esta carta, não desista, não quero voltar a lutar contra o mundo pra seguir vivo. Assuma o controle, leve a vida, seja forte, resolva problemas, enfrente os desafios com disposição. Sei que consegue, já o fez antes.


Adoraria uma aposentadoria da vida. E agora só você pode me dar. Te peço com carinho que assuma e me deixe descansar, de preferência, para sempre.


Com amor do teu eu deprimido.


Fonte da imagem: Sharp




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quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Pedro Brant

Brainstorm sobre voo

Você se sente um pássaro ou uma árvore? Que pergunta estranha né? Você espera o vento soprar, ou voa para senti-lo? Segue estranho né? Me acompanhem que fará sentido. Prometo.


Algumas pessoas são resistentes a mudança, procuram um lugar para fazer suas raízes, chamarem de lar, e ali se acomodarem por toda sua vida. Outras parecem que estão sempre à voar de encontro a novos terrenos, novas árvores, novos pássaros. Quando se estabelecem, fazem um ninho para um período, e uma vez cumprida a missão, tornam a voar.


Mas não é incomum ocorrer de nascer um filho pássaro de pais árvores. Enraizados por anos no mesmo lugar, próximo de tudo que conhecem, com receio do desconhecido, estes pais tentam impedir seus filhos de voar, tentam ensinar pássaros a se enraizar. Mas impedir um pássaro de voar é impedir sua natureza.


Estamos numa transição de gerações, antes estabilidade era um luxo que todos queriam. O ambiente fez com que muitos crescessem como árvores, com raízes bem fundas. E hoje seus filhos, estão num mundo diferente, estão prontos pra voar.


Muito se engana que esses voos são sem medo do desconhecido. Mas a coragem reside em desbravar não só novos territórios, mas novas zonas do teu próprio ser. Estamos não só voando, mas no permitindo questionar, sentir, chorar, amar, viver, conhecer.


Pra todos que se identificaram como árvores, entendam o voo dos pássaros, admirem cada cambalhota, os apoiem em cada queda. Compreendam que somos diferentes, e sempre será bom ter uma árvore para pousar e nós darem apoio. 


Aos meus amigos viajantes, esse texto, tem um propósito diferente. É um lembrete, pra nós que nascemos para voar. Não se esqueçam sempre de bater suas asas, mesmo quando estiver repousando. Tua natureza vai te chamar cedo ou tarde, e será hora de voar. Esteja bem alongado quando este momento chegar.


Bom voo.


Fonte da Imagem: Pinterest


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sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Pedro Brant

O brainstorm do artista

Vou te convidar a um exercício reflexivo. Talvez filosófico. Quero que seja hoje um pintor. Suas mãos e mente tem tudo para fazer os melhores e mais incríveis quadros do mundo. 


Te dou agora uma caixa de pincéis, com todos os tipos de pincéis que você possa precisar. Mas não te dou tela, não te dou tinta. 


Todo dia ao acordar, uma tela e algumas tintas estarão te aguardando. Essa tela pode ser branca, pode estar manchada, pode estar suja, ou quem sabe pode até vir já com alguns desenhos e pinturas para ajudar. 


Todo dia receberá potes com cores diferentes, por vezes terá mais cores do que precisa pra fazer a arta que queria. Mas vários outros dias te faltarão cores, e terá de pintar com o que recebeu. 


Aposto que raros serão os quadros que sairão como desejou. Muitos sairão feios, alguns tenho certeza que duvidará que pode ser chamado de arte. 


Se não notou a analogia até agora, as telas são nossos dias, e não podemos controlar muitos fatores neles. Sejam as cores que recebemos ou o quão boa ou ruim é a tela que teremos para pintar. 


Mas somos bons pintores, com o tempo aprendemos que podemos misturar tintas, que é possível pintar só com tons de cinza, que uma tela toda preta pode ser um desafio interessante. 


O segredo é não desistir de pintar, por mais que faça tempo que não receba boas telas e boas tintas, que pareça que a criatividade se esgotou, você ainda é o melhor pintor da sua vida e o único que pode pintar o seu dia. Mesmo que as vezes possa pedir ajuda, ninguém pode pintar sua vida por você. 


No museu da vida todas essas telas tem significado, todas elas te ensinaram algo. Sejam as borradas por suor e lágrimas ou as quase totalmente brancas, bem como as mais belas criações cheias de detalhes, vida e sentido. Todas fazem parte da construção da história do museu do seu artista. 


Por vezes alguns de nós pensam em deixar seus pincéis caírem, e a vocês que pensam isso, como alguém que já soltou os próprios pincéis antes, seguir a pintar e buscar ajuda pra conseguir melhores telas e melhores tintas farão diferença. 


Nem só de grandes obras vivem os artistas, nem só de grandes momentos se é feita a vida. Se estiver muito difícil, peça ajuda. Uma cocriação sempre pode ser bem vinda. 


Sua próxima grande obra ainda estar por vir.


Fonte: Estado de Minas


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sábado, 18 de dezembro de 2021

Pedro Brant

Brainstorm sobre heróis

 Você tem consciência de como seus atos influenciam as pessoas ao seu redor? Ou invertendo a visão dos fatos, você deixa as pessoas saberem o quanto elas influenciaram suas vidas? Acredito que para a maioria, a resposta de ambas seria não.


Por esse simples motivo vários heróis invisíveis nascem sem que nunca saibamos que foram importantes para alguém. Sejam por simples ações rotineiras, ou um bom dia numa hora apropriada, uma mão amiga naquele momento desesperador, uma companhia, uma conversa, uma ideia, enfim, qualquer que seja o motivo, esses heróis acendem uma chama que estava morrendo ou, até mesmo, apagada. Sem nunca saberem como fizeram as chamas voltarem a queimar dentro daqueles que foram salvos, eles seguem seus caminhos sem saber que fizeram algo por alguém.

Temos dois cenários envolvendo nossos heróis ou heroínas do dia-a-dia.

Vamos ao primeiro, é quarta-feira, aquele cliente super exigente te fez ir pro trabalho uma hora mais cedo, você não pode nem acordar com seus filhos, dormiu mal por causa do horário e da preocupação, essa reunião põe muita coisa em jogo, seu chefe está te pressionando por resultados. Soa ligeiramente familiar? Trocando contextos parece muito a vida geral de um adulto certo?

Agora peguemos nosso indivíduo indo ao trabalho, entra no ônibus e prepara para seguir caminho até o trabalho, são geralmente 90 minutos, e neste horário com certeza iria em pé, o que por si só é um problema pois aquela dor do joelho voltou com força total essa semana por conta do estresse.

Vendo a cara de dor daquela pessoa, alguém aleatoriamente o cutuca e oferece seu lugar. “Já vou descer na próxima, pode ficar aqui.” Situação rara não? Estamos cada vez mais egoístas. Cada vez menos ajudando o outro em prol do nosso bem.

Mas somos uma comunidade e a primeira situação sempre ocorre quando nos damos conta disso. Sempre devemos olhar o melhor para nós como sociedade. Seja comprando no comercio local quando possível, valorizando e divulgando o trabalho de um colega ou amigo.

O segundo cenário, ocorre quando apenas nos contaminamos com bom astral.

Vamos a um exemplo bem didático de contaminação de astral: “O motorista pode correr a quarta série não tem medo de morrer”, ou qualquer outro canto de pré-adolescente se encaixa no contexto, você é carregado pelo astral que o ambiente te impõe. 
Mas e se a pessoa, ou até mesmo você, for aquela pessoa que impõe o astral, positivo no caso?

Vamos a um exemplo real, ONGs que levam descontração para hospitais infantis. Não preciso dizer que hospital não é um mar de alegrias, e que uma pessoa feliz não consegue geralmente contaminar muita gente lá, mas essas pessoas têm esse dom e contaminam todo um hospital trazendo sorrisos.

E no dia a dia? É possível o mesmo efeito?

Quem chegou no trabalho viu um humor generalizado e baixo. E em seguida, alguém trouxe o astral pra cima, algum colega que contagiou os outros com bom humor. Sabe aquele dia que você estava especialmente mais cansado, mais infeliz, desgostoso de estar ali, e alguém tem a ideia de sair pra almoçar fora num lugar diferente, ou pedir uma comida, ou quem sabe um jogo pro intervalo.

No fim não importa o que foi levado por alguém para o ambiente, mas o resultado. Uma a uma as pessoas são sugadas para aquele ambiente com um astral mais leve. Afinal somos humanos, temos nossas oscilações, temos nossos momentos, e podemos ajudar quem não está num bom momento compartilhando um pouco do nosso.

Mas afinal? Quem somos nesses casos? Quem queremos ser?

Vivemos em comunidade, existimos porque trabalhamos juntos, tendo ou não consciência disso, mas a grande mudança se dá quando tomamos consciência disso e nos tornamos parte desse esquadrão de heróis invisíveis.

Já contou pro seu herói invisível como ele foi importante pra você hoje? Acho que devia, você pode se tornar o dele.
 
Fonte da Imagem: keyword-hero.com


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Pedro Brant

O Ceifador

Aqui estou eu, por esse período interminável no escuro, esperando o próximo nome que teria sua alma levada embora do plano terreno. Não sabia a quanto tempo eu já era um ceifador, não tinha mais muitas das minhas memórias, só tinha as memorias dos meus erros e falhas de quando era vivo. Era forçado a revivê-las sempre, pois eram minha única companhia.


Isso nunca me deixava esquecer o porquê de eu estar aqui, vivendo este purgatório. Um suicídio. Tirar uma vida, mesmo que seja a sua própria, sem razão, era motivo de punição.


Estava parado no escuro, sem roupas, apenas com a veste preta pela qual ceifadores são conhecidos e eternamente segurando a foice. Não, ela não é o instrumento de matar, ela só desconecta a alma do plano terreno, e assim podemos levá-la embora.


Comecei sentir a queimação no meu braço esquerdo, o nome da próxima pessoa marcado na minha pele. Era hora de trabalhar novamente.


É uma função muito triste levar pessoas embora. Poucas são as que realmente estão prontas, sentem que terminaram sua passagem na terra. Na grande maioria separamos amores, diminuímos famílias, tiramos pais de seus filhos, ou filhos de seus pais, destruímos sonhos...


Quando menos me dei conta já estava na frente da casa da próxima pessoa. Como sempre, para a morte, as portas estão destrancadas. Vou caminhando até o quarto em busca da alma que deveria levar comigo, porém...


- Quem é você? Como entrou aqui? Por que está fantasiado de morte? – Questionou como um raio ao me ver.


Perguntas para o representante da morte são normais, mas todos sabem já que estão mortos. As vezes barganham, as vezes entram em negação. Mas dessa vez algo parecia diferente, não parecia uma simples negação a morte.


- Eu sou o representante da morte. – Comecei – Você morreu e vim levar...


Parei imediatamente. Estou a tanto tempo fazendo isso, que não me dei conta da coisa errada. Ela não havia morrido. Ainda. Reconheci os sinais, ela estava com tudo pronto para um suicídio. Como eu havia feito.


- Você não está morta. -Falei baixo, como se para notar a realidade dos fatos.


Congelada, com os remédios ainda na mão, ela me olhou.


- Já vou estar, se você veio me buscar, pode esperar que já vou contigo.


Senti medo, ver meu erro sendo cometido de novo, não podia deixar acontecer novamente, não importa a punição, já estou no purgatório mesmo o que poderia ser pior?


- Não faça isso. A vida é nosso maior presente. – Comecei.


- PRESENTE? Acho que você não tem noção de como é estar vivo. Você só tem que carregar que morreu.


- Talvez eu realmente tenha me esquecido de como é estar vivo. Não sei nem meu nome mais. Mas sei de algo importante, é na vida que a gente pode aproveitar.


Ela fez menção a me interromper. Ergui a mão em sinal que ia continuar. Eu precisava continuar.


- Eu me matei, não sei quanto tempo atrás mais. Eu tinha problemas sem solução, perdi aqueles que chamava de amigos, vi meus sonhos morrerem, minha vida perder sentido. Até que decidi que não valia a pena viver.


- Se você me entende, por que está sendo advogado da vida aqui?


- Porque eu não poderia estar mais errado. Somente na vida podemos achar solução para nossos problemas, apenas vivos podemos encontrar novos amigos, criar novos sonhos, até mesmo achar novos problemas para resolver. Podemos mudar de direção, começar tudo de novo, fazer dar certo de outros jeitos. Depois de morto só te sobra lamentar o que você poderia ter feito.


- Vida – segui dizendo – é como um relógio, só anda pra frente, e se para, não tem mais o que ser feito com ele. Você sempre pode tentar de novo, mudar tudo, fazer diferente, mas só enquanto estiver viva.


Ela soltou os remédios, o alívio me acometeu. Me senti humano de novo, pela primeira vez, desde que esse purgatório começou.


- Queria ter um amigo como você.


- Você pode. – eu disse dando um sorriso – Seres humanos são tão vastos e tão diferentes entre si, que com certeza você vai achar alguém além de mim pra te dar sermão.

- Obrigada.


E depois dessa única palavra eu fui tirado de lá. Ela havia desistido, não havia mais morte ali, não tinha porque um ceifador estar ali. Agora era hora de eu encarar a punição por evitar uma morte.


Quando abri os olhos, não me vi no breu de sempre, não tinha mais as marcas dos nomes que ceifei marcados na minha pele, eu não era mais um ceifador. Parece que ensinar minha lição era minha libertação. Posso seguir para o descanso em paz finalmente. 

Fonte da imagem: https://www.redbubble.com/

    

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terça-feira, 9 de abril de 2019

Pedro Brant

Garotinha

‘Acho que tô sendo egoísta de novo’

Isso não saia de sua cabeça e estava atrapalhando muito mais que ajudando, acreditem. Um escritor que não consegue escrever por culpa, qual a utilidade? Mas pobre escritor, ele está numa situação complexa. A editora deu prazo limite para o seu livro ser finalizado, caso contrário irão desistir do projeto. As crianças estão exatamente nos terríveis dois anos, o único lugar que ele conseguiu paz foi num café a duas quadras de casa. Mas agora o remorso de não ajudar com as crianças o consome e não o deixa escrever em paz.

Os clientes do café podiam observar o nervosismo do escritor pois ficava pressionando sua caneta.

*click* *click* *click*

Ficava encarando o computador, perdido em sua confusão mental, na quantidade de coisas que já tinha criado.

‘Por que sempre é tão difícil terminar uma história?’

Num momento de fraqueza extrema o escritor apenas desistiu. Largou a caneta e deitou-se sobre o notebook. Ficou assim por vários minutos, como que esperando uma magia acontecer. Para a sorte do escritor acho que era um dia mágico afinal.

Uma criança se aproxima e senta-se na mesa. Coloca a mão nas costas de escritor e lhe da alguns tapinhas de conforto. Ele levantou a cabeça incrédulo e encarou uma pequena menininha, com seus cachinhos caindo na altura da orelha, e ficou encarando aqueles olhinhos mas antes que pudesse interpretar o que aquele olhar queria dizer ele descobriu.

-Desculpe senhor. – falou a mãe ao longe quase correndo para pegar a filha de volta – Ela é muda.

Fez um aceno indicando que tudo estava bem e sutilmente o escritor voltou a olhar para a criança que agora estava com um enorme sorriso. Ele se virou para mãe como que contagiado pelo sorriso da pequena pessoinha.

- Se você não estiver com pressa gostaria muito de ter uma conversa com sua filha.

-Mas, -relutou um pouco encarando o homem- ela é muda.

-Sim, mas no momento acho que ela tem mais pra falar que eu em 100 vidas.

A menina ficou com uma expressão de quem estava gostando de toda aquela situação, parecia extremamente curiosa com o que estava acontecendo e com o que iria acontecer. Mas aparentemente dependia de sua mãe permitir.

Ela sentou-se na mesa com eles colocou seu café e devolvendo o sorriso do escritor concordou com um aceno. E se deixou tomar pela mesma curiosidade da garota.

-Sente aqui, a partir de agora você quem fala.

Ela ficou radiante, parecia que era a primeira vez que alguém a convidava para ser o centro das atenções. Ficaram se encarando por alguns momentos. O escritor queria nivelar a situação, então se prometeu que não falaria também, com um gesto com as mãos. Agora eram dois mudos. Sorrindo um para o outro.

A garotinha percebeu a intenção do homem. E começou a gesticular, fazendo mímica se comunicou. O escritor ficou perdido por um tempo, mas assim que pegou o jeito estavam ali ambos fazendo gestos, brincando um com o outro, inventando gestos com significados. Conversando, sobre tudo, sobre nada, apenas se deixando levar.

Ficaram mais de meia hora se divertindo ali. A mãe da garotinha estava apenas observando admirada a alegria de sua filha de estar interagindo com alguém novo. Quando finalmente deram uma pausa, o escritor pegou a garota no colo, e ainda sem dizer uma palavra a entregou para a mãe. O olhar dos três já dizia tudo, carregava a gratidão e alegria de todos os três.

O escritor, agora com a inspiração que precisava, acenou para as duas e sentou-se no computador e foi terminar seu livro, ainda mais ávido para voltar para suas próprias crianças. 

Fonte: medium.com/@christianacromer

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sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Pedro Brant

O jantar


As panelas estavam espalhadas por toda a cozinha. O jantar precisava ficar perfeito. Foi planejado cuidadosamente por uma semana. Todos os detalhes checados, tudo ok, menu impecável. Só faltava a preparação.

Fazia muito tempo que não tinha um jantar romântico como casal, na verdade, não lembrava quando foi o último, mas sabia de uma coisa, nunca tinha feito um.

“Será que faz tanto tempo assim mesmo?”

Olhou no relógio, não queria perder a hora. Haviam combinado às 19 horas, e queria ser pontual, muito pontual, assim como era contigo.

A massa da torta estava no forno, era hora de arrumar a mesa. O prato principal estava pronto aguardando finalização no forno elétrico, a entrada estava pronta na geladeira, então foi à mesa. Parou e olhou para os lados, estava tudo arrumado, organizado. Olhou novamente para a mesa, se deixou sentir o frio na barriga pela primeira fez, nunca havia se colocado nessa situação de fazer um jantar para 2, não sabia se estava exagerando muito ou estava tudo bem.

“Ambos do mesmo lado, ou em lados opostos?”

Sempre via em filmes em lados opostos, mas queria tanto sentar lado a lado. Desistiu. Cedeu ao clássico ainda a contragosto. Olhou no relógio e viu que não tinha tempo de ficar pensando sobre isso e foi logo pro banho.

“Faltam 15 minutos”

Era tudo que conseguia pensar.

No tempo passando, no relógio correndo, em tudo que tinha que fazer, ligar o forno para grelhar o prato principal. Então o fez e saiu correndo para o banho.

“10 minutos de forno e tudo fica pronto”

No banho se deixou relaxar pela primeira vez desde que acordou, havia passado o dia naquela tensão. Como era bom sentir a água quente do banho, mas espera, estava cheirando queimado! Saiu correndo do banho sem se secar direito com a toalha enrolada ao corpo e descobriu que havia deixado a sobremesa dentro do forno, prato principal feito e sobremesa perdida!!!

Mal conseguida conter as lagrimas de frustração, olhou para o relógio e faltavam 5 minutos. Entre chorar e se vestir ficou com a opção racional. Já havia separado a roupa, desde de manhã pra ser exato, era para ter sido a noite perfeita, bom, era.

Vestiu-se como um relâmpago e foi para a cozinha arrumar um plano B.

“6 minutos. Só dá tempo de uma salada de frutas bem meia boca.”

A frustração daquele pensamento era agravada pela sobremesa queimado na pia. Foi, sem dúvida, a salada de fruta mais rápida e malfeita da vida. Lágrimas apareciam só de imaginar que aquilo seria o encerramento o jantar perfeito. Pelo menos tudo finalizado a tempo. Sentou-se à mesa e aguardou. Já que a campainha iria tocar.

Passaram-se 50 minutos, tinha certeza que ninguém viria mais, não conseguia conter as lagrimas, todo aquele esforço e no fim ficou só. Encarava a mesa, inerte, já não sabia o que fazer, estava tudo frio, passado do ponto. Como podia alguém tão pontual se atrasar quase uma hora?

*beep*

Como quem não acredita no que ouviu, não teve reação ao ouvir a campainha. Foi preciso ouvi-la novamente para acreditar que estava acontecendo. Voou para a porta, quando abriu realmente estava ali, a razão do jantar.

“Você devia ter chegado uma hora atrás?!”

“Mas nem são 19 horas. Faltam 5 pras 19.”

“Não mesmo” - Respondeu mostrando o relógio de pulso.

“Então, acho que você ainda tá no horário de verão, acabou ontem”

Ficara sem reação, e isso ficou tão evidente que vendo sua expressão, com toda delicadeza, sua visita disse:

“Não tem problema, vamos te ajudo esquentar o jantar, tenho certeza que vai tá ótimo.”

Ainda com lagrimas nos olhos pela sua falta de noção de mundo, apenas concordou com a cabeça e foram para a cozinha esquecer do horário de verão, aquecer o jantar e curtir a noite.

Fonte: food.ndtv.com


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